A vida em um livro

Foto/Capa Alceu Chiesorin Nunes

Conversando com Educação divulga e indica a leitura do livro O que é que ele tem, de Olivia Byington que relata a sua história de vida com o filho João, revisita situações esquecidas e doloridas. Precisou descontruir a idealização do bebê que esperava e reconstruir o seu encontro com seu filho. Uma vivência difícil, uma construção de amor e verdades. Destaca que no universo da síndrome do João, o empenho das terapias da fala, da coordenação e musculatura foram fundamentais para que pudesse se desenvolver. E acrescenta: o amor, a aceitação, a tarefa realizada pela família desde o nascimento, os cuidados e os tratamentos que pareciam não ter fim.

O filho Gregorio Duvivier apresenta a obra de sua mãe Olivia Byington e expressa o seu olhar e sentimento como irmão:

“O João era uma criança normal. Pra mim e pra minhas irmãs não havia nada de errado com ele, tirando o fato de que tomava remédios todos os dias e se submetia regularmente a cirurgias que abriam seu crânio. Ele tinha as mãos diferentes, mas os seus dedos juntos pareciam para nós mais uma qualidade do que um defeito: pensavamos que deviam servir para para algumas coisas, como nadar ou agarrar bolas no futebol.

Em alguns sentidos, era um super herói: João pulava da cama às seis da manhã pra remar, sabia de cor todas as linhas de ônibus e seus trajetos, comia mais do que todos nós juntos e não engordava. Nunca ouvi lá em casa a palavra deficiência. Ouvíamos muito a palavra diferença, foneticamente tão parecida, mas semanticamente tão distante.

Foi na rua que percebi que meu irmão era “deficiente”. Achava estranhíssimo quando os outros achavam o João estranhissímo. Foi só depois de me perguntarem que doença ele tinha que fui perguntar à minha mãe que doença ele tinha. Foi aí que aprendi a expressão síndrome de Apert, para responder a todos que perguntavam: o que ele tem?”. E as pessoas então ficavam mais calmas, mesmo sem fazer ideia do que isso significava. Também tinha que explicar para as crianças que não era contagioso, que elas podiam brincar e abraçar, que elas não precisavam fugir ou se esconder, que ele não mordia. Nem sempre funcionava. Foi aí também que conheci a outrofobia, essa doença tão comum e tão entranhada.

Difícil apresentar o livro da sua mãe. Falei isso para autora: ninguém vai levar a apresentação a sério, vão achar que eu só tô falando porque sou filho.

Vou tentar ser imparcial: este livro é uma obra-prima. Droga. Desisto. Ponderando, talvez a obra prima não seja o livro, mas a vida da minha mãe e sua luta cotidiana, que começa reprimida por freiras sadomasoquistas (redundância?) e passa por loucuras que nem eu sabia, porque minha mãe odeia autocomiseração.

Pode ficar tranquilo: se você acha que vai encontar neste livro lamúrias e autopiedade, você não conhece a minha mãe. Se você quer uma história de superação desista. Já vou logo adiantando: no fim tudo dá certo. Porque no começo também dá. Esta é, antes de mais nada, uma história de amor. Não qualquer amor, mas o amor mais difícil, e o mais raro. O amor pela diferença. Não confundir com deficiência. Ele, só ele, salva”.

Byington, Olivia – O que é que ele tem – Rio de Janeiro: Editora Objetiva, 2016

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    Sônia Licursi

    Meu nome é Sônia Licursi. Aos 17 anos, iniciei meu percurso profissional como professora de Educação Infantil.

    Sou casada, mãe, psicóloga e orientadora educacional.

    Especialista em Psicodinâmica do Adolescente pelo Instituto Sedes Sapientiae, com experiência profissional nas áreas: clínica, educacional e social.

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