Disciplina

De repente um barulho ensurdecedor no banheiro. Therezinha corre aflita e encontra Cláudia, de quatro anos, rodeada de cacos de vidro. Ela havia subido no vaso sanitário e se dependurado no armário de remédios, que, não aguentando o peso, veio ao chão. Pacientemente, a mãe começou a recolher os destroços, feliz por só terem ocorrido danos materiais. Acabada a limpeza, procurou pela menina e achou-a passando cera preta para sapatos numa mesa de pau-marfim, branca como a neve. Brigou com ela e iniciou a ingrata e difícil tarefa de limpar o móvel. Estranhando o silêncio, procurou-a novamente. Cláudia, tranquilamente, recortava figurinhas com uma gilete sobre um sofá de couro recentemente reformado, que, evidentemente, estava todo cortado. Telefona para o marido e exige que ele desmarque seus compromissos e volte para casa, “senão não sei o que sou capaz de fazer com a Cláudia”.

Fim de tarde, Margarida, três filhos, repreende Roberta, três anos, que mordeu o colega na escola, ralha com Sofia, que jogou pedaços de batata frita em toda a sala, manda Gabriel desligar a televisão e imediatamente fazer seu dever de casa.

Josefina está aborrecida porque seus filhos menores, Paulo e Júlia, transformaram a hora de tomar banho numa guerra. Para Maria, a guerra com Sílvia é na hora das refeições. Já os pais de Renato, doze anos, estão desesperados com as saídas noturnas do filho, sem aviso prévio e sem horário de volta.

Quando e como disciplinar as crianças não é um assunto fácil. Antigamente, os pais, em especial o pai, estabeleciam as regras do certo e do errado, do bom e do mau comportamento, e, de acordo com elas, as crianças eram punidas ou recompensadas. A partir da década de 20 ou 30 muitas escolas passaram a permitir que as crianças participassem da escolha do que deveriam aprender. Os pais passaram a ser instruídos no sentido de deixar os filhos mais soltos, mais livres, a fim de que liberassem a energia que tinham em seu interior e expressassem seus sentimentos, sem se preocupar com as inconveniências e os aborrecimentos que isso poderia causar aos familiares.

Havia uma preocupação excessiva sobre a repercussão futura de medidas disciplinares muito rígidas durante a infância. E enfatizou-se a necessidade de dar amor e segurança, o que muitas vezes era entendido como “deixe ele fazer o que quiser”, negligenciando-se o treinamento da disciplina. Infelizmente, os resultados dessa conduta não foram dos melhores. Hoje, aceita-se que as crianças tenham completa liberdade para se expressar, mas não que tenham todos os seus desejos atendidos.

Por que a disciplina é necessária e indispensável? Regras, leis e princípios governam quase todas as atividades físicas, mentais, emocionais e sociais. É essencial ensiná-los aos filhos, para ajudá-los a adaptar-se ao mundo. A disciplina irá fazê-los desenvolver controles internos que lhes permitirão ter uma noção clara de seus direitos e deveres, de modo que possam viver bem em sociedade, respeitando os direitos e a dignidade dos outros. E, em suma, manter um comportamento socialmente aceitável.

A disciplina é uma questão de aprendizado de limites, que dura anos e cuja responsabilidade recai, principalmente, sobre os próprios pais. São eles que ensinam pelo próprio exemplo, por sua aceitação dos filhos, pela valorização de suas vitórias, pelo apoio nos momentos difíceis, pela orientação segura em novas experiências, pelo amor à família e pelos limites que eles mesmos, pais, se impõem na contenção de seus próprios impulsos.

Disciplina é um processo gradual, em que os pais dão a conhecer aos filhos seus valores e o significado de sua proposta de vida. Transcende assim a utilização de normas de comportamento, a contenção de impulsos, a explicação dos direitos dos outros, a aplicação de castigos e recompensas.

O segredo da disciplina está em viver aquilo que se quer ensinar. As crianças aceitam os valores que elas sabem ser aceitos por seus pais, os quais podem ser socialmente aceitáveis ou não. Ensinar o que não se pratica é extremamente difícil ou mesmo impossível. Se você agride as pessoas, se dirige em velocidade excessiva, se avança os sinais, se falseia a idade de seu filho para levar vantagens, se faz o dever de casa dele, se fica calado quando recebe um troco errado com dinheiro a mais, se pede atestados médicos falsos para justificar faltas, se mente ou engana, se fura filas, se pede para ocupar um espaço que não é o seu direito, e comete ato do mesmo teor, certamente você não estará contribuindo para que seu filho se torne um cidadão digno e respeitado pela comunidade.

Se você pensa que palmadas, surras, castigos, chantagens e outras medidas coercitivas poderão salvá-lo, está enganado. Castigo não é sinônimo de disciplina, embora seja inerente a ela, pois é um preço pago pela criança quando ela se desvia das regras ou regulamentos estabelecidos.

O adulto, com raras exceções, é o resultado do que vivenciou quando criança, principalmente em casa. Desculpem-me insistir no tema, mas tenho certeza absoluta de que só conseguiremos acabar com a violência, a corrupção, a prostituição e muitas outras mazelas se conseguirmos modificar profundamente a educação de nossas crianças.

Autor do texto: Dr. Antonio Marcio Junqueira Lisbôa

Médico pediatra, escritor e consultor de revistas

Seu filho no dia-a-dia: dicas de um pediatra experiente – Rio de Janeiro: Record, 2013

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    Sônia Licursi

    Meu nome é Sônia Licursi. Aos 17 anos, iniciei meu percurso profissional como professora de Educação Infantil.

    Sou casada, mãe, psicóloga e orientadora educacional.

    Especialista em Psicodinâmica do Adolescente pelo Instituto Sedes Sapientiae, com experiência profissional nas áreas: clínica, educacional e social.

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